vida yo-yo não é… vida yeah-yeah

de madrugada sonhei que era um pêndulo em movimento… de lá para aqui, regresso para lá, volto para aqui… acordo mareado, com um gosto seco nos lábios, perscruto à volta para perceber onde estou, sem certezas… nem de quem sou…

o sono já se antecipou e foi para a cozinha de onde começa a relembrar-me que existe um frigorífico nesta casa… as pernas adquirem movimento próprio e carregam-me titubeante… nas paredes e nas esquinas pormenores que só se vislumbram nestes voos rasantes…

uma virada em curva apertada e por momentos pareço o Michael Jackson a dançar… em contra golpe a bexiga usurpou o poder e agora comanda o meu destino…

estanco pendurado à frente da sanita… eu… as pernas… e tudo o mais… acordamos tréguas resignados por haver vontades maiores do que as forças que se conseguem reunir por estas alturas… não é o momento de se resistir mas de se relaxar… que seja…

relaxar… frouxidão no olhar a meia luz que pouso com preguiça numa folha de papel no chão… o lusco-fusco a refulgir no papel entra-me pelos olhos como agulhas… não quero despertar… mas é inevitável

inconscientemente inclino o pescoço como que para enquadrar a cabeça entre as linhas do papel e, em menos de nada, o esternocleidomastóideo chicoteia-me por dentro com um estrondoso estalo desde uma orelha à outra… vejo estrelas… relincho como um potro acabado de marcar com azoto … definitivamente, hoje os meus componentes internos estão em guerra comigo… desperto

desperto e, ainda com cabeça entornada para o lado, olhar cativo pelo papel em branco, reparo que tenho estado com a escrita no mesmo estado do choro prendido por um soluço, em forma de nó na garganta

acordado e de café em punho, vagabundeio pela blogosfera… perco-me…quando dou por mim estou saído pela janela com o olhar já longe, lá fora dia em pleno, cá dentro um certo gosto a mar na boca… com o pensamento a tomar tons sépia pela saudade… sensação de peso e cansaço a tomar conta de mim…

e questiono-me se, neste modo de viver, em corridas de um lado para o outro, custa mais o cansaço físico ou o desgaste emocional… mas sei que, a cada partida, do cansaço físico consigo recuperar com repouso…

assusta-me a ideia de passar pela vida como um yo-yo que num momento qualquer, de tantas vezes ir abaixo-ir acima, moída a corda, irá desprender-se em voo picado numa última viagem… assusta-me ainda mais a ideia de que nessa queda o objecto atraia consigo a mão que o sustenta, e lhe dá sentido, numa derradeira tentativa de o amparar…

sentir tudo … oa oiràrtnoc

 

upside-down-cat

 

 

 

é difícil descrever…

como não se sente…    preenchido!

é um vazio que teima em desprender-se…

é a ausência de sons, um silencio sorumbático a ressoar cá dentro… um incômodo zumbido que atazana para lá do ouvido interior…

são as sensações que se tentam puxar da memória para revestir o corpo… corpo frio e desconfortável, como sermos todo um pé descalço no soalho gélido…

é sentir tudo… ao contrário…

quando ficamos lá…

com os que queríamos aqui…

(vá bichano, amanhã levantas novamente os bigodes!)

 

 

reservo-me ao direito de não vos ouvir…

 

 

“- então paaaá… com auscultadores no local de trabalho?!”

– “sim… mas estão desconectados… vês?!”

-“aaahh!!!  mas… auscultadores… ?!”

– “siiim… mas vês… estão desconectados!!!”

– “huuummm… mas… então não estás a ouvir?!”

– “… DESCONECTADOS!!! … Vês… SIIIIM ?!?”

– aaAAah!   percebo.  Mas, então… porque não estás a ouvir?!”

– “F— !!!

AUSC

D E S C O N E C T E I – M E…

&

IT FEELS SO GOOD !!! 

.”

… a insustentável leveza do mijo!

rapaz-mijo

tenho comigo, entre muitas outras memórias, a da busca atrapalhada das chaves de casa no bolso das calças, no regresso das compras, ao que se seguia o tilintar demorado de sacudidelas para alinhar a chave certa e o arranhar dos carretos na fechadura a precisar de afinação.

nós e a fechadura, a luta semanal, e os carretos na porta fechada estancados como jumento teimoso que não cede à aflição dos donos; mas os carretos lá cediam lubrificados por uns cavernosos palavrões e amaciados a pontapé.

tenho memória de a seguir sermos envolvidos pelo cheiro da casa ao arrojar-nos pela porta, dos impropérios (que nunca irão constar nos acordos ortográficos) que soltávamos enquanto nos lançávamos contorcidos e em espasmos  numa corrida por cima dos sacos das compras espalhados à entrada, em fuga para a frente, para ver quem primeiro conquistava a posse da casa de banho.

tenho memória, também, da sensação de salvação e alívio da “mijinha” semanal que se seguia, como cão que regressado ao seu canto preferido alça da perna para reafirmar a posse do seu território;

memória de alívio e salvação, dos meus por perto e envolto pelo que me reconforta e me torna no que sou, sorriso infantil e “mijinha” prolongada até ao último gotejo, em esforço e em prazer, contorcido e espremido até os rins só para ter ainda mais certeza de que estou, enfim, chegado ao “meu” espaço.

do lado de fora, o teu berro aflito era a amarra à realidade:

“foskas-se”… saaaaai daíiii… “cum’camandro e cum’catano” … despáaaaaacha-ttte!

– imagino-te, de vez em quando, naqueles momentos em que a saudade nos invade pelo estomago e se confunde com fome, a olhar de soslaio para o tampo da sanita levantado e a desejar-me a irromper em corrida para ir “à mijinha”, só porque sim, porque a ausência enche-nos de uma fome dessas e até uma “mijinha” pode ser um ritual importante.

da minha parte, deixa que te diga… saudades, tento afastá-las ao “estalo e à biqueirada”, mas vencem-me sempre, com igual violência e ainda mais… e a “puta” da ausência… é de forma tal que a sinto nos rins…. deve ser da vontade que me cresce cá dentro, vontade de voltar ao “meu canto” e de esforçar os pertences até despejar um vagalhão só para te ter “aflita e exaltada”, do lado de fora mas perto, e me sentir novamente em casa, mesmo que só por uma valente “mijinha”, marcando de canto um sorriso infantil e malandraço, a pensar cá para mim:

“gooolo… estou em casa!”

… e a sorrir certo de que as coisas importantes da vida não têm que ser arquitectadas em planos muito rebuscados.

“reset…”

index

quem já vivenciou um amor “distanciado” vai ler o texto do Nuno Andrade Ferreira (aliás, muito bem escrito) e dar-lhe o devido sentido,

só assim se percebe a vontade de se ter aquele botãozinho que havia nos jogos de antigamente e que os reiniciava repletos de energia e novas vidas.

há momentos em que, já sem forças, paramos para perguntar se vale a pena continuar a abraçar travesseiros… e continuar a imaginá-los impregnado do cheiro do outro, cheiro já só imaginado, que a ausência, sempre demasiada, até essa certeza nos leva.

preciso de um “reset”, se faz “fabori”… novo cenário… energia repleta.

(mas com os mesmos “players”! )

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«Amar à distância

Manter uma relação à distancia não é fácil. O amor é uma força poderosa, mas não vence tudo. Pode mover montanhas, sem que contudo nada possa perante o desconforto que se vai instalando. De repente, há tanto de ti que já não é quem era (…)

“Se te deixares levar pela vontade, vais demorar mais a responder aos e-mails, as conversas no “chat” serão cada vez mais curtas e com respostas breves, nem sempre vais ligar o Skype. Até queres partilhar, mas não sabes como, porque, lembras-te, o essencial não cabe em palavras. “Tens a certeza que está tudo bem?”, “claro que está”, “estás diferente”, “não, é impressão tua” »

(Texto de Nuno Andrade Ferreira • 27/08/2013 – 17:27; in: P3 – Público)